27 de junho de 2012

Insensatez e impunidade: PEC 37

Insensatez e impunidade: PEC 37

O professor Lenio Luiz Streck publicou excepcional e didático artigo intitulado “PEC 37 – Emenda da Insensatez e os Pés de Curupira”. A partir da leitura da obra “Nau dos Insensatos” (“Das Narrenschiff”), publicada em 1494 por Sebastian Brant, se demonstra um retrato ácido da sociedade; as mentiras do sistema judicial; as perseguições da Igreja; a corrupção e a prostituição generalizada de costumes pela classe nobre.

Streck, lembrando Raymundo Faoro, recorda que o Brasil sempre foi o paraíso da impunidade, sempre consolidada a partir de obstáculos escamoteados e visíveis propositalmente criados para evitar a igualdade entre os cidadãos. Ocorre que, de uns tempos para cá, especialmente depois da CF/88, de forma inédita, políticos poderosos, empresários abastados, enfim, pessoas com prestígio social, político ou econômico – lembre-se, dentre outros, o mensalão – começaram a ser efetivamente investigados e processados.

Nesse contexto, embora o STF tenha reconhecido a constitucionalidade do poder de investigação do MP, surge uma poderosa articulação de bastidores objetivando por um basta na investigação. Trata-se da proposta de emenda constitucional (PEC) 37, que objetiva impedir o MP de investigar ilícitos penais. Aliás, a PEC não atinge somente ao MP. Atinge a muitos. O próprio jornalismo investigativo sofrerá um revés na sua eficácia (liberdade), uma vez que eventuais denúncias – ainda que cristalinas e óbvias – terão que ser “reconfirmadas” numa nova investigação obrigatoriamente comandada pelas polícias.

A PEC da Insensatez pretende colocar a atividade investigatória como exclusiva (um monopólio) das polícias. Entretanto, em nenhum outro país do mundo considerado democrático isso assim ocorre.

Streck adverte: “Atenção, deputados: o Ministério Público é condutor da investigação criminal na Alemanha, desde 1975, Portugal, desde 1988, na Itália, desde 1989. Nem vou falar dos Estados Unidos da América. E tampouco da Espanha, em que as discussões se encaminham para além do poder investigatório”.

O grande problema é que a PEC 37 continua avançando livremente no Congresso. Streck concluiu que a tentativa de alteração constitucional se divorcia dos padrões mínimos de racionalidade, ganhando contornos ideológicos e políticos. Segundo observa: “Uma lástima técnica. A proposta afirma que a investigação criminal visa ‘a completa (sic) elucidação dos fatos, com a colheita de todos os elementos e indícios necessários à realização da justiça’. Alega que, em razão de ‘muitas provas (sic) serem colhidas nessa fase, compete a profissionais habilitados e investidos para o feito (sic)’”?. O fundamento da proposta, além de contraditório, não convence nem aos mais leigos. Enfim, pela insensatez da PEC 37, a impunidade – já conhecida no País – será consolidada para um grupo restrito de privilegiados: os grandes criminosos, que sempre costumam negar a prática da corrupção.

AFFONSO GHIZZO NETO
Promotor de Justiça e idealizador da Campanha "O que você tem a com a corrupção?"







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